Manaus (AM) – “Eu nunca trabalhei como carregador antes. É um trabalho difícil, e muitas vezes não conseguia um real pelo serviço porque muitas pessoas se recusavam a pagar”. Dessa forma se expressa o imigrante venezuelano César Rivero, de 26 anos. Apesar de ser engenheiro de petróleo, trabalha como carregador de bagagens e outras mercadorias no Porto da Manaus Moderna, no centro da capital.
A história de César é parecida com a de muitos venezuelanos que migraram em massa para o Brasil, em 2016, quando começou a crise econômica na Venezuela. Manaus, a capital do Amazonas, foi uma das cidades que mais recebeu os imigrantes, pois pela proximidade, muitos refugiados, vindo do país vizinho, pelas BR-174 e BR-432, escolheram a cidade, por considerada por eles próspera e boa para se morar.
Quando César chegou à capital, há onze meses, não imaginou que enfrentaria tantas dificuldades. Inicialmente, ele tinha o objetivo de passar por Manaus e seguir viagem até Santa Catarina, mas com o alto custo da viagem, decidiu ficar. Ele explica que o preconceito e a xenofobia foram grandes e, devido ao fato do Brasil também estar em crise, não conseguiu bons empregos, o que o fez optar por algo mais “simples”, devido a necessidade de sobrevivência.
“Eu nunca trabalhei como carregador antes, que é um trabalho difícil. Muitas vezes não conseguia um real porque as pessoas se recusavam a pagar. Até que eu conheci o dono do barco onde trabalho e a situação melhorou um pouco. Mesmo morando no barco, ainda é difícil porque o dinheiro que recebo só dá para pagar o aluguel e a comida”,
disse César.
Outro caso parecido é o de Lui’am Medina, de 25 anos, que está em Manaus há cinco meses, também trabalhando como carregador no porto da Manaus Moderna. Medina escolheu Manaus por ser uma das cidades mais próximas da Venezuela e por ser uma cidade onde há oportunidades de emprego.
Do mesmo modo que César Rivero, Lui’am teve que buscar um trabalho mais simples, pois não conseguia se comunicar facilmente com as pessoas.
“Eu cheguei aqui, soube por outro carregador venezuelano que no porto dava para trabalhar como carregador, que faturava bem, mas o dinheiro só dava para pagar a diária do aluguel onde eu morava. Muitas vezes eu voltava para casa liso, sem nada”,
relata Medina.
Quem conhece o trabalho de carregador no Porto de Manaus sabe que não é fácil. Além do peso das mercadorias sobre as costas, na época em que o rio está mais seco, os estivadores precisam caminhar por grandes extensões até levar as mercadorias até os barcos. A logística do porto ainda é muito rudimentar e não contempla grandes avanços tecnológicos no trabalho de carga e descarga. O mais comum é que esse trabalho seja braçal.
Lui’am lembra que chegou a Manaus depois de caminhar durante todo o trajeto da Venezuela até Pacaraima (município em Roraima distante a 213 quilômetros de Boa Vista), em um grupo de 30 pessoas, passando fome e sede. Atualmente, o imigrante trabalha como carregador em um barco e espera que a situação melhore para assim ter carteira de trabalho assinada, conforme foi prometido a ele pelo dono da embarcação.
Trabalho de sobrevivência
Embora exista uma lei (Lei N° 12.023, de 27 de agosto de 2009), que garante remuneração negociável entre trabalhador e empregador avulso, além do fundo de garantia por tempo de serviço e 13° salário, o sindicato dos carregadores do Porto de Manaus não é atuante.
Outros carregadores manauaras que trabalham no Porto de Manaus afirmaram que nenhum dos estivadores que trabalham ali tem um salário fixo, não há um sindicato e não há fiscalização de nenhum órgão sobre a atividade trabalhista. “Cada um se vira como pode para ganhar o pão de cada dia”, disse um dos estivadores.
Embora Manaus tenha sido escolhida por venezuelanos como a melhor cidade para trabalhar e morar, segundo um estudo realizado pela Organização Internacional para Migração, em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU), nos meses de outubro e novembro de 2021, a realidade enfrentada por muitos não condiz com o resultado da pesquisa.
Muitos imigrantes que chegam à capital amazonense enfrentam dificuldades como preconceito, xenofobia, desemprego e alto preço nos aluguéis. Segundo relatos de imigrantes, muito locadores de Manaus se aproveitaram da situação para praticarem valores abusivos.
De acordo com o estudo ‘Matriz de Monitoramento de Deslocamento (Displacement Tracking Matrix)’, que entrevistou 1.109 pessoas, sendo 52% de homens, a maioria dos imigrantes venezuelanos chegou ao país pela fronteira entre Brasil e Venezuela, sendo Boa Vista e Pacaraima, no estado de Roraima, as portas de entrada, sendo que Boa Vista foi uma cidade estratégica, quando se iniciou o fluxo migratório no Brasil, principalmente pelos indígenas da etnia Warao.
Ainda conforme a pesquisa, 29% dos venezuelanos entrevistados têm ensino superior, mas não pode atuar no Brasil em sua área de profissão sem o registro profissional brasileiro. Dessa forma, trabalhar como autônomo ou na informalidade é uma das saídas para essa população.
Rede de apoio
A Prefeitura de Manaus informou, por meio de nota, ser responsável pelo acolhimento, alimentação e assistência social de indígenas venezuelanos, da etnia Warao, desde 2016, quando ocorreu o fluxo migratório na cidade.
Já os imigrantes venezuelanos não-indígenas são de responsabilidade do Estado do Amazonas e do Exército Brasileiro.
Diante da situação de venezuelanos que chegam à capital em busca de oportunidades, o Governo do Amazonas, por meio da Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc), Exército e outras agências para refugiados, informou que há um projeto de acolhimento para eles.
Chamado de Operação Acolhida, o alojamento foi inaugurado na última sexta-feira (8), na avenida Torquato Tapajós, no bairro Flores, Zona Centro-Sul, e tem capacidade para acomodar 300 pessoas.
O alojamento, segundo a Sejusc, tem o objetivo de fornecer atendimento humanitário aos migrantes venezuelanos, como consta na Constituição Federal sobre o direito ao abrigo. Porém, nem todas as secretarias do Estado e do município têm projetos para acolhimento e ou fiscalização desses imigrantes quanto à empregabilidade.
Segundo o Governo do Amazonas, há outros projetos coordenados pela Sejusc que oferecem serviços de refeição e lavanderia, como o Posto de Recepção e Apoio (PRA) e o Posto de Interiorização e Triagem (Pitrig), local cedido pelo Estado onde o Exército e as agências atuam para a retirada de documentação da população emigrante e refugiada.
Pelos relatos colhidos pela reportagem, é importante destacar que ainda há muito a se fazer por essa gente, que ao enfrentar falta de emprego e fome em seu País, jamais imaginou que enfrentaria também situação difícil em solo brasileiro.
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