Em cinco anos, o Brasil perdeu cerca de 764 bibliotecas públicas. Segundo os dados do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), mantido pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério, hoje o Brasil possui 5.293 bibliotecas. Há poucos anos, em 2015, o país contava com 6.057 bibliotecas públicas.
Para especialistas em biblioteconomia, a queda no número de bibliotecas revela um descaso do poder público com a população mais vulnerável, que não tem acesso a livrarias.
Eles também alertam que o número de bibliotecas fechadas pode ser ainda maior, devido à atual fragilidade do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, após a extinção do Ministério da Cultura, e da falta de controle efetivo pelos sistemas estaduais, cujos dados alimentam o sistema nacional.
Bibliotecas públicas são aquelas mantidas pelos municípios, Estados, Distrito Federal ou governo federal, que atendem a todos os públicos. São consideradas equipamentos culturais e, portanto, estão no âmbito das políticas públicas do governo federal — antes, sob o Ministério da Cultura e atualmente, com a extinção da pasta, sob a Secretaria Especial da Cultura.
Não entram nessa conta as bibliotecas escolares e universitárias, que têm como público-alvo alunos, professores e funcionários das instituições de ensino.
Procurada pela BBC News Brasil, a Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo não respondeu a questionamento sobre o que explica o fechamento de centenas de bibliotecas públicas nos últimos anos, nem qual a política do governo Jair Bolsonaro (PL) para bibliotecas.
O Plano Nacional de Cultura, conjunto de objetivos para o setor em vigência desde 2010 cuja validade foi prorrogada por Bolsonaro até 2024, tem como uma das metas “garantir a implantação e manutenção de bibliotecas em todos os municípios brasileiros”.
A perda de mais de 700 bibliotecas nos últimos anos deixa o país cada vez mais distante desta meta.
‘Descaso com os mais vulneráveis’
Fábio Cordeiro, presidente do Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB), avalia que o fechamento de bibliotecas no Brasil nos últimos anos é explicado por uma série de fatores.
“Bibliotecas são equipamentos culturais e, durante esse último período, tivemos a eliminação do Ministério da Cultura e uma falta de valorização desses equipamentos”, afirma Cordeiro. “O fechamento das bibliotecas públicas revela a falta de investimento e de interesse do governo.”
Ele cita ainda um descaso com a população de baixa renda, que depende mais das bibliotecas.
“Há uma falta de políticas voltadas para a parte mais vulnerável da população, que não tem acesso a livrarias, não tem renda para poder comprar livros. Justamente quem mais precisa de bibliotecas são as pessoas mais vulneráveis, que não tem o acesso tão fácil ao livro.”
As vendas de livros no Brasil caem ano após ano. Em 2013, ano de melhor desempenho do mercado livreiro nacional na última década, as vendas das editoras para livrarias somaram 279,7 milhões de exemplares, segundo levantamento realizado pela Nielsen BookData para a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel).
No ano passado, foram 191 milhões de livros vendidos, uma queda de 1% em relação aos 193 milhões de livros vendidos em 2020 e recuo de 32% em relação ao pico de 2013.
Também em 2021, o rendimento médio mensal dos brasileiros caiu ao menor patamar desde 2012, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), para R$ 1.353.
Ainda conforme o IBGE, o percentual de municípios brasileiros com bibliotecas públicas caiu de 97,7% em 2014, para 87,7% em 2018, segundo a edição mais recente da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic) que incluiu este tema. O percentual subia ano a ano até 2014, quando passou a cair.
Cordeiro cita ainda o avanço das novas tecnologias como um fator que tem reduzido o público das bibliotecas.
Segundo a pesquisa Retratos da Leitura do Instituto Pró-Livro, em 2019, 68% dos brasileiros diziam nunca frequentar bibliotecas.
Mas o fechamento de unidades parece também influenciar nisso, já que, naquele ano, 45% dos entrevistados diziam não existir biblioteca pública em sua cidade ou bairro, acima dos 20% que davam essa mesma resposta em 2007.
Adriana Ferrari, diretora técnica da Biblioteca Florestan Fernandes da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e vice-presidente da Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários (Febab), avalia que há uma fragilidade nos dados disponibilizados pelo SNBP, porque não há uma coleta efetiva de informações.
Atualmente, segundo o SNBP, a coleta é feita em parceria com os Sistemas Estaduais e Distrital de Bibliotecas Públicas.
“Alguns Estados têm um controle mais eficaz sobre seus sistemas estaduais, outros têm um controle mais frágil. Então essa queda maior na região Sudeste pode ser um resultado da qualidade da coleta de dados”, afirma.
“Não me sinto segura em assumir que foram só essas [764] bibliotecas que fecharam. Acredito que esse número pode ser ainda maior, porque vemos um sucateamento há anos de todo o sistema de acesso à informação, à leitura, à cultura e das bibliotecas em si”, diz Ferrari.
‘Não me sinto segura em assumir que foram só essas bibliotecas que fecharam. Acredito que esse número pode ser ainda maior’, diz Adriana Ferrari, vice-presidente da Febab
A bibliotecária observa que o Plano Nacional de Cultura nunca foi cumprido. E, mesmo após a aprovação da Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE), conhecida como Lei Castilho (Lei 13.696/18), sancionada por Michel Temer (MDB), o objetivo de “universalização do direito ao acesso ao livro, à leitura, à escrita, à literatura e às bibliotecas” em nada avançou.
“Não temos nenhuma política pública em pé, não temos o Ministério da Cultura, que é a pasta que gerencia o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas. Então, o sistema existe, mas com uma estrutura extremamente fragilizada. Por isso, não avançamos. Pelo contrário, a gente vem retrocedendo”, afirma.
“A biblioteca não é só um espaço do livro e da leitura, ela é uma porta de infinitas possibilidades, de abertura de repertórios culturais. São espaços de encontros, de pertencimento, então elas vão além das coleções”, diz Ferrari, que defende o fortalecimento das políticas públicas para reverter esse cenário de retrocessos.
Durante a Bienal do Livro, realizada neste mês de julho em São Paulo, a CFB lançou a campanha #SouBibliotecaEscolar, que busca o cumprimento da Lei nº 12.244/2010 (Lei da Universalização das Bibliotecas Escolares), que determinou que todas as instituições públicas e privadas de ensino do país passem a contar com bibliotecas, com acervo mínimo de um título por aluno matriculado.
O prazo de cumprimento da lei se esgotou em 2020, sem que a meta fosse atingida.
Já a Febab lança em breve uma plataforma com o objetivo de mapear todas as bibliotecas, de todos os tipos (públicas, escolares, universitárias e comunitárias) do país. A ideia é poder monitorar e ajudar os sistemas estaduais a ter dados mais consistentes sobre esses equipamentos públicos.
* Com informações da BBC
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