Manaus (AM) – O presidente da república Jair Messias Bolsonaro (PL), candidato à reeleição ao cargo em 2022, participou, na segunda-feira (22), da sabatina promovida pelo Jornal Nacional, da Rede Globo. Durante a entrevista, os apresentadores pediram um posicionamento do presidenciável acerca da atual economia brasileira.
Em sua fala, Bolsonaro reafirmou que pretende dar continuidade às promessas estabelecidas em seu plano de governo apresentado em 2018.
“Pretendemos fazer com a mesma política que estamos fazendo desde 2019. A grande vacina a favor da economia em 2019 foram reformas, como a da previdência, a Lei da liberdade econômica, a modernização das Normas Regulamentadoras”,
declarou o presidente na entrevista.
No debate sobre o segmento econômico, os impactos enfrentados durante e “pós” pandemia ocasionada pela Covid-19 (que iniciou no Brasil no começo de 2020), e as consequências do conflito entre Rússia e Ucrânia (de fevereiro de 2022, estendo-se até o momento) foram colocadas na sabatina.
“As promessas foram frustradas pela pandemia e por uma seca enorme que tivemos no ano passado (2021), também pelo conflito da Ucrânia com a Rússia”
, declarou.
Além dos impactos gerados pelos acontecimentos “recentes”, para analisar a gestão econômica durante o governo Bolsonaro é necessário entender como as ações baseadas no plano de governo afetaram principalmente o Amazonas.
Particularidades do AM
Tratando-se de Amazonas, o maior estado do Brasil com um total de 1.571.000 km² territoriais, as excepcionalidades são maiores e os impactos econômicos de uma (má) gestão podem refletir de maneira ainda mais expressiva na população.
Uma das particularidades que devem ser compreendidas são as dificuldades geográficas que o Amazonas enfrenta em relação ao resto do Brasil: a região, por terra, não se conecta com os principais estados econômicos do país. Para se ter uma noção, a distância da metrópole Manaus para o município de Fonte Boa, oeste do estado, é de 600 quilômetros. Para comparação, a distância entre Rio de Janeiro e São Paulo é de 434 quilômetros.
A economia do Amazonas também possui particularidades, sendo afetada diretamente por essa “distância do resto do país”. O primeiro ciclo econômico na região foi o da Borracha, que teve duas fases (a primeira por volta dos anos de 1879 e 1912, e a segunda entre 1942 e 1945).
A partir de 1957, com a Lei nº 3.173, a capital amazonense recebe a Zona Franca (ZFM) como Porto Livre, mas em 1967, por meio do Decreto-Lei Nº 288, que amplia a legislação e reformula o modelo, estabelecendo incentivos fiscais para implantação de um Polo Industrial (PIM), comercial e agropecuário na região. Até hoje, o modelo permanece como o maior incentivador da economia do estado.
Análise da gestão atual
A partir de uma breve compreensão a respeito das necessidades amazônidas, como os projetos estabelecidos no plano de Governo assinado por Bolsonaro afetaram o Amazonas? A pergunta é respondida a partir da análise apresentada pela economista e especialista em auditoria interna e externa, Denise Kassama.
Segundo ela, desde a escolha do ministro até as decisões tomadas na gestão de Bolsonaro mostram a ineficácia do modelo escolhido para reger o grande pilar do país.
“Já era de se esperar com a nomeação do ministro Guedes, que é um profissional voltado para a área do mercado financeiro, puramente liberalista, o que já dava sinais de que a linha econômica seguisse esse sentido”
, declarou a especialista.
Denise também pontua que a população enfrenta atualmente uma taxa de juros “altíssima”, o que consequentemente reduz a renda e gera impactos diretos na qualidade de vida do amazonense.
Plano de governo e impactos no estado
1 – Combate ao desemprego
Em seu plano de Governo apresentado em 2018, Bolsonaro selecionou como um dos “Desafios Urgentes” a serem enfrentados durante a sua gestão, o combate ao desemprego. O número, à época, era de 13 milhões de desempregados, oficialmente.
De acordo com dados disponibilizados pela Agência de Notícias do IBGE, a taxa média de desocupação registrada no Brasil foi de 11,1%, no 1º trimestre do ano (2022). A taxa de desemprego do Amazonas registrou 13,0% e segue maior do que a nacional, apesar de ser a menor taxa observada no estado desde o 1º trimestre de 2016 (12,9%), fato este justificado pelo crescimento de pessoas trabalhando por conta própria (com registro de uma taxa de informalidade de 57,7%).
De acordo com Denise, é possível observar pelos números atuais “que se houve alguma política voltada para o combate ao desemprego, foi ineficaz”.
“O Amazonas possui particularidades econômicas e geográficas que o distingue de outras regiões do país. Então, sabe-se que as distâncias amazônicas proporcionam o isolamento dos municípios, de forma que o desenvolvimento econômico se torne bastante complexo, além da dificuldade logística, e nada foi feito”,
declarou a economista.
Ela explica que os indicadores negativos no Estado, permanecem piores que a média nacional.
“O desemprego no segundo trimestre de 2022 registra-se nacionalmente na média de 9.3 e no Amazonas está em 10.4. Apesar da diminuição, continuamos com uma taxa de desemprego maior que a média nacional”
, disse.
Ela salienta que os dados demonstram que não houveram políticas econômicas eficazes voltadas para o Amazonas.
2- Impactos na Zona Franca de Manaus
Mais um ponto proposto por Bolsonaro foi pautado na declaração: “Nossa prioridade é gerar crescimento, oportunidades e emprego, retirando enormes contingentes da população da situação precária na qual se encontram”.
Em 2022, uma das grandes dificuldades enfrentadas no Amazonas foram os inúmeros ataques direcionados ao principal modelo econômico da região: a Zona Franca de Manaus.
O Ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou que o governo federal iria reduzir em 25% o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). “É um movimento de reindustrialização do Brasil”, declarou ele.
A redução dos empostos, sem a isenção dos produtos produzidos no Polo Industrial de Manaus, afetariam diretamente a competitividade dos produtos fabricados na região, como explicou o economista Ailson Resende.
“Imposto sobre Produtos Industrializados incide sobre insumos [materiais usados na produção] e nos produtos acabados. As empresas do PIM estão isentas do pagamento deste tributo nos dois casos, deixando os custos de produção menores comparados com os custos de fabricação de outros estados do país”,
explicou.
De acordo com ele, a redução do IPI poderia diminuir os custos de produção dos outros estados, eliminando a competitividade dos produtos fabricados na região, inviabilizando a implantação de novos empreendimentos e proporcionando a saída de algumas fábricas instaladas em Manaus.
“Como resultado, teremos mais desemprego, e maior pressão sobre a Prefeitura e Governo do Estado por serviços públicos (saúde, educação, transporte). Além de afetar o comércio e o setor de serviços que vivem do emprego e renda gerados pelo PIM”
, finaliza.
A publicação do Decreto nº 11.182/2022, na quarta-feira (24), garante a redução de 35% no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) da maioria dos itens fabricados no Brasil e, simultaneamente, preserva a competitividade dos produtos da Zona Franca de Manaus (ZFM).
Manobra eleitoral
O cientista político Carlos Santiago explica que o governo do presidente Bolsonaro tem como princípios o combate aos subsídios a altas taxas de impostos. Dessa forma, o modelo Zona Franca de Manaus, como área de incentivo fiscal, não cabe como modelo ideal para o governo.
Ele também pontua que o decreto foi publicado 39 dias antes do primeiro dia das eleições, no dia 2 de outubro, o que pode significar uma “manobra eleitoral”.
“Como estamos no período eleitoral, poucos dias para as eleições gerais, em um estado com força política, não só no estado, mas também na região, Bolsonaro até pressionado não só pelo aspecto eleitoral, mas também por decisões do Supremo Tribunal Federal começa a pensar mais da sua reeleição do que nos princípios da sua administração”,
declara o especialista.
Carlos alerta sobre a mudança repentina na decisão de Bolsonaro quanto ao modelo. Para ele, é possível que em um período de “pós eleição”, Jair possa vir com uma carga dura em relação ao modelo, principalmente caso vença as eleições.
“Com Bolsonaro na presidência da república, o modelo Zona Franca estará sempre em processo de ataques. Não faz parte da filosofia dos atuais dirigentes da economia do governo Jair Bolsonaro. Afrouxa agora véspera das eleições pressionado pelo judiciário, mas depois do processo eleitoral, não tem-se a garantia de que Bolsonaro não irá continuar atacando o modelo ZFM, mesmo tendo grandes aliados políticos no estado”
, finaliza Santiago.
3- Alta Inflação
Outro ponto apresentado por Bolsonaro em 2018 foram as linhas de ação, que baseavam-se em “Emprego, Renda e Equilíbrio Fiscal, oportunidades e trabalho para todos, sem inflação”.
Atualmente, o Brasil registra a quarta maior inflação entre os países do G-20. Em abril, a inflação apresentou alta de 1,06%, após ter alcançado 1,62% em março. Esse foi o maior resultado para o mês de abril desde 1996 (1,26%).
De acordo com dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgados em maio deste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, o indicador acumula alta de 4,29% e, nos últimos 12 meses, de 12,13%, acima dos 11,30% observados nos 12 meses imediatamente anteriores.
No Amazonas, os impactos da alta inflação mudaram completamente o estilo de vida da população. Despesas com alimentos deixaram 18% dos consumidores inadimplentes entre janeiro e junho deste ano, apresentando uma alta acumulada de 14,72% nos últimos 12 meses, o que supera a inflação geral, que é de 10,07%. Os dados são da pesquisa feita pela empresa de inteligência financeira e análise de crédito Boa Vista.
Para Jesem Orellana, epidemiologista e pesquisador da Rede Cidadã do Amazonas, muitos especialistas alertaram o governo sobre os erros estratégicos em relação à segurança alimentar.
“Não tenho dúvidas que o modelo econômico adotado no país continua mais preocupado com o humor do mercado do que com as lágrimas de desespero de milhões de mães e pais que não conseguem um prato com comida para seus filhos. Quando se deixa de investir nas necessidades mais básicas da população, e o direito à alimentação certamente é uma delas, os resultados costumam ser amplamente favoráveis para os mais ricos e desastrosos para os mais pobres, refletindo-se em aprofundamento das históricas desigualdades no Brasil”
, explicou o epidemiologista.
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