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SOBREVIVÊNCIA

Com a alta da inflação, trabalhadores sobrevivem com o básico no AM

A Cesta Básica de julho de 2022 teve aumento de 2,56% comparado com o mês passado, no Amazonas

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Manaus (AM) – Sem reajuste salarial e pressionados com a alta nos produtos do setor alimentício e de outros serviços gerais, a população brasileira segue buscando alternativas para lidar com o alto custo de vida no país. Nas prateleiras dos supermercados, o preço da carne bovina e do leite longa vida não param de subir, o que tem assustado os consumidores.

Despesas com alimentos deixaram 18% dos consumidores inadimplentes entre janeiro e junho deste ano, apresentando uma alta acumulada de 14,72% nos últimos 12 meses, o que supera a inflação geral, que é de 10,07%. Os dados são da pesquisa feita pela empresa de inteligência financeira e análise de crédito Boa Vista, que entrevistou 1.500 pessoas em todo o país, por meio de um questionário eletrônico.

De acordo com uma pesquisa feita por um conjunto com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de Brasília (UnB), a insegurança alimentar grave ou moderada atingiu 27,7% da população no final do ano de 2020, ou 58 milhões de brasileiros, contra 16,8% em 2004.

Para a economista Denise Kassama, a inflação é a maior vilã nessa situação, tendo em vista que os valores dos itens essenciais para a vida dos brasileiros e dos amazonenses continuam subindo, em contrapartida, o salário e a renda obtida pela população permanece no mesmo patamar.

“O amazonense segue com essa sensação de que não está dando para comprar tudo que precisa. Na verdade, não é uma sensação, é um fato. Com a renda reduzida corroída pela inflação na casa de 10% dos outros últimos 12 meses dá para vermos esse cenário de as coisas não estão dando. Os preços estão aumentando e o salário e a renda não estão ajudando. Então, essa questão de ter uma vida tranquila vai demorar mais um ‘bocadinho’”,

declarou.

A Cesta Básica de julho de 2022 teve aumento de 2,56% comparado com o mês passado, no Amazonas. Esse é o sétimo mês consecutivo de alta nos preços de alguns produtos em supermercados da capital amazonense, segundo relatório da Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Amazonas (CDC/ALEAM). Denise Kassama considera o item como um “artigo de luxo”.

“Com uma cesta básica na ordem de cerca de R$ 300 realmente acaba se tornando um luxo para a maioria da população brasileira. Esse valor representa um quarto do salário mínimo ou metade do Auxílio Brasil, que o governo acha que é que é o suficiente, só que as famílias não vivem só da cesta básica também. Existem outros itens, como o aluguel, energia, água, dos quais também não se vive sem. Então cada vez mais está sendo um verdadeiro malabarismo para uma pessoa de baixa renda poder se sustentar”,

ressaltou.

A economista classifica ainda o momento como de “prudência”, visto que a pressão financeira é tanta que grande parte dos brasileiros tem escolhido qual conta pagar. Somente em abril, mais de 91 milhões de brasileiros – 58% da população – deixaram de pagar pelo menos uma conta, seja de luz e de água ou os boletos, o cartão de crédito e as prestações de financiamentos. O estudo foi feito pelo Instituto Locomotiva.

Foto: Maria Isabel Oliveira/Agência O Globo

“Ainda tem um bom caminho pela frente para que a gente tenha uma vida um pouco mais tranquila. Então, o que podemos recomendar aqui é a prudência nos gastos como sempre. Eu sei que não é fácil. Às vezes a gente tem que decidir que conta vai pagar. Mas o momento ainda é de prudência”,

pontuou.

A assistente de logística Tayssa Saraiva, de 22 anos, alega estar trabalhando para sobreviver e ressalta que, nos supermercados, tem se deparado constantemente com altos valores.

“Nem o básico se consegue consumir mais, você tem que decidir entre os alimentos e menos de 500 reais você não gasta, mesmo com alimentos contados. Estamos tirando cada vez mais alimentos que são essenciais para a alimentação das nossas compras, para que consigamos viver pelo menos com o mínimo”,

declarou.

Preço do leite assusta amazonenses

Afetando diretamente o consumo da população brasileira, o tradicional leite – considerado um dos itens essenciais no café da manhã na mesa das famílias – é um dos vilões da vez na lista do supermercado. Pressionada pelo aumento na bebida láctea, a população do Amazonas tem buscado novas alternativas para substitui-lo.

A economista Denise Kassama pontua que a alta no preço do leite afeta o mercado dos laticínios como um todo, visto que o preço de queijos, iogurtes, requeijão, manteiga, margarina, dentre outros derivados do leite, são afetados por essa variação e influencia no chamado “custo final” do produto oferecido ao mercado consumidor. Usando como exemplo a própria vivência, Kassama que no período de um mês já sentiu o aumento de 25% no valor do leite.

“Geralmente eu compro eu compro leite para a minha casa naquela caixa onde vem 16 unidades de leite. A última vez que eu fiz isso foi no início de junho e eu paguei algo em torno de R$5,50. Esse mês fui no supermercado para renovar a minha caixa de leite e você não acha por menos de R$ 6,50, mostrando um aumento aí de 25%. Segundo o IPCA, o aumento do leite longa vida foi de 22% e quando sobe o preço do leite também afeta no valor dos seus derivados como o queijo, o requeijão, o iogurte e tudo acaba subindo proporcionalmente. Na economia nada é isolado e tudo tem a ver com tudo”,

explicou.

Foto: Freepik

Ao se deparar com o alto valor da bebida láctea, Tayssa destaca que imediatamente se espantou. Pela bebida que costumava comprar ser um composto lácteo e estar custando caro ao amazonense, a assistente de logística se mostra mais surpresa.

“Eu fiquei extremamente espantada, porque como todos sabem a marca que fui comprar não é um leite e sim um composto lácteo. Fiquei extremamente triste, porque nem leite conseguimos mais comprar. É revoltante, eu não sei como as pessoas que ganham um salário mínimo e vivem sozinhas ou sustentam família conseguem sobreviver”,

desabafou.

Para a jovem a cada dia que passa a situação vem piorando. De acordo com Tayssa, até o mais básico tem pesado no bolso dos amazonenses.

“Não temos qualidade de vida nenhuma nesse país e parece um looping sem fim, a cada dia só piora a situação. Porque nem o básico se consegue mais comprar. Temos saúde sem qualidade, zero segurança e a alimentação nem se fala”,

expressou.

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil voltou ao Mapa da Fome em 2022, visto que o percentual de brasileiros que não têm certeza de quando vão fazer a próxima refeição está acima da média mundial. Um país entra no Mapa da Fome quando mais de 2,5% da população enfrentam falta crônica de alimento e a fome crônica no Brasil já ultrapassa a média global atingindo agora 4,1%.

“Mais uma vez isso nos empurra para o Mapa da Fome Além de ter que correr atrás de osso de boi porque a carne está muito cara, agora temos que ir no açougue atrás do leite que é mais barata e não é tão nutritivo. Mas enfim, entre passar fome e encher o bucho, né? O amazonense está ‘enchendo o bucho’ da pior maneira possível, comprometendo inclusive a saúde alimentar das próprias famílias”,

complementou Denise Kassama.

Reajuste do preço dos combustíveis afeta a alimentação

Como a logística do comércio brasileiro é fortemente ligada ao transporte rodoviário e praticamente tudo consumido pela população brasileira é derivado dos fretes de caminhões, o reajuste dos valores do combustível gera um efeito cascata, influenciando nos mais variados setores da economia, impactando o bolso dos consumidores, em especial na alimentação.

O posicionamento também é defendido pela economista Denise Kossama, que ressalta ainda que o aumento nos combustíveis – além de impactar dos transportes – é um dos principais fatores que contribuíram para o impacto no preço final dos alimentos que compõem o prato do amazonense. A economista também pontua que a redução do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) amenizou a situação por tempo determinado.

Foto: Buda Mendes/Getty Images

“É evidente que essa redução recente do ICMS sobre os combustíveis reduziu efetivamente pelo menos por enquanto o preço dos combustíveis e isso impacta no custo logístico que é muito alto aqui para o Amazonas. Quando a gasolina sobe muita coisa pode subir na mesma escala já que a gente precisa de ter o custo de frete. Há uma preocupação muito grande que, com o aumento do preço dos combustíveis, aumente escala de bens e serviços produzidos dentro do Amazonas ou fora. Uma vez que o aumento de combustíveis impacta no aumento do frete, ou seja, do custo logístico”,

explicou.

Complementou ainda: “A produção rural comercializada em Manaus e alimentos que vem de outros Estados encarecem. Ou o produtor, no repasse, reduz a sua margem de lucro ou realmente repassar sob o risco de redução do consumo de bens. A preocupação maior realmente é com os alimentos e demais itens da cesta básica dos amazonenses, que já configura entre as mais caras do país”.

Aumentos afetam trabalhadores no interior do AM

O aumento no valor dos produtos afeta o consumo no interior do Amazonas. Natural de Rio Preto da Eva (distante 84,5 quilômetros de Manaus), o engenheiro de produção Rodrigo Chaves da Silva, de 28 anos, notou os altos valores nas compras feitas desde o mercadinho no bairro em que mora até os grandes supermercados e destacou ainda o aumento no valor pago nas tarifas de energia elétrica, o que causa mais prejuízos tendo em vista o clima amazonense.

“Esses aumentos afetam bastante a nossa rotina e pesam muito no bolso, pois os preços de muitas coisas aumentaram demais, principalmente itens essenciais como alimentos e os produtos de higiene. Além da energia elétrica que, com todo esse calor que vivemos no Amazonas, é quase inevitável não usar”,

explica.

De acordo com Rodrigo, nos mercados, os itens mais básicos foram os que mais apresentaram aumento. Na tentativa de driblar as altas, o jovem ressalta que a família tem buscado economizar comprando apenas produtos de utilidade.

“Estamos economizando ao máximo e pechinchando em dobro. Coisas que fazíamos com frequência, estamos fazendo menos vezes, e etc. Comprando nada em excesso e somente de acordo com a necessidade. Estamos pensando em buscar novas rendas que possam nos ajudar a enfrentar isso e fazer voltar nossa vida normalmente. Os mais básicos como o feijão, arroz, carne, legumes em geral e as frutas foram os que mais aumentaram”,

finalizou.

Nascido em Barcelos (AM) e morador de Novo Airão (AM) há 30 anos, o jornalista Sebastian Viana não esconde a preocupação com o aumento constante nos alimentos. Ressaltou ainda que, antigamente, fazia a cesta básica com R$300, mas o valor dobrou e o salário continua o mesmo.

“O aumento dos preços tem nos deixados muito preocupados. Antigamente eu fazia minha cesta básica com R$300, mas, atualmente, o valor dobrou e o salário continua o mesmo. Para conseguir me manter, tento fazer outras coisas nas horas vagas. A forma de ovos era R$7, agora varia de R$22 a R$25. A carne do tipo alcatra era R$20 e hoje custa R$42,50. Me sinto revoltado. Pagamos muitos impostos para nada”,

disse.

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