Manaus (AM) – Internacionalmente, no dia 8 de março, é comemorado o “Dia da Mulher”. Para a ex-deputada amazonense, Beth Azize, em suas “verdadeiras e cruéis palavras” a data marcada por um trágico acontecimento, deveria ter tido um rumo diferente.
A história das mulheres, que há 165 anos foram mortas durante o incêndio em uma fábrica têxtil na cidade de Nova York, poderia ter ficado conhecida pela conquista de espaço e direitos trabalhistas. No fim, pelo sentimento de culpa, a sociedade masculina estabeleceu que a história insólita registraria o dia de “celebrar” a existência feminina.
Pela compreensão de que narrativas como as das operárias novaiorquinas exemplificam que as dinâmicas sociais, econômicas e principalmente políticas, nunca parecem favorecer mulheres e minorias, Beth Azize conta que decidiu buscar voz para essa população.
Em 1964, aos 24 anos de idade, já formada em Direito pela Universidade Federal do Amazonas, a manacapuruense Beth ingressou na magistratura, por meio de concurso público. Dessa forma, ela poderia transmitir seus conhecimentos jurídicos para ajudar as pessoas e ressalta com orgulho, que foi a primeira mulher a se tornar juíza de Direito no Amazonas.
“Fui imediatamente para o interior do Estado. Nesse tempo tive oportunidade de adquirir muito mais conhecimento e cultura jurídica para ser uma magistrada de nível superior. E eu consegui isso. Fiquei dez anos pelos municípios do interior”, disse.
Uma década de aprendizagem e inúmeras dificuldades. Azize por ser a única juíza no Estado enfrentou inúmeras discriminações durante seu exercício, pelo simples fato de ser uma mulher em posição de poder. Ela foi telespectadora do crescimento profissional de homens, enquanto para ela, as portas não eram abertas.
“Os homens conseguiam com ajuda de desembargadores e juízes da capital, ser promovidos para o juizado da capital e eu ia ficando pra trás. O meu tempo foi passando”, explicou.
Em meio a isso, relembrou o pontapé de seu objetivo profissional: ajudar as pessoas. A magistratura não lhe possibilitou galgar espaços e contribuir socialmente como desejava. Voltou para Manaus e pediu exoneração do cargo.
Uma nova fase viria, mais uma vez através de concurso público, sem ajuda de conhecidos influentes ou políticos locais. Passou em primeiro lugar para o cargo da procuradoria jurídica. Ali decidiu que se envolveria com a política eletiva.
Exerceu o cargo de procuradora até 1976, quando decidiu candidatar-se para o cargo na Câmara Municipal de Manaus e foi eleita no mesmo ano. Não parou por lá, foi deputada estadual duas vezes. Em seu segundo mandato, fez história mais uma vez quando foi escolhida para ser a primeira presidenta da Assembléia Legislativa do Amazonas.
“Foi um alvoroço, como se eu tivesse ganhado na loteria ou vencido o prêmio Nobel. Minha cara ficou exposta. Era uma mulher pública e bem sucedida. Tinha alcançado todos os estágios profissionais que uma mulher poderia atingir na época. Exerci uma administração que onde eu chegava, era aplaudida”, disse.
Beth realizou movimentos políticos históricos no Estado. Ela diz que ao subir degraus, viu o Amazonas crescer cada vez mais, na mesma proporção que também via os problemas sociais aumentarem. “Com o cargo, lutou ao máximo para defender a qualidade de vida dos amazonenses. Seu trabalho logo foi reconhecido pelo governo da época, onde exerceu inúmeras vezes o papel de presidenta do poder executivo”.
Ascensão Feminina
Nacionalmente? A princípio, causava estranheza total uma mulher assumir um papel tão influente como esse. “O povo brasileiro nunca esteve acostumado a ajudar mulheres a galgar degraus”, salientou com tristeza. Com o tempo, o País passou a observar suas conquistas com outros olhos. Foi entrevistada por inúmeros jornais e emissoras, por ser a primeira mulher a ocupar um cargo de governo.
Apesar de inúmeras vitórias, nada era fácil. A discriminação continuava gigantesca. Sua ousadia de buscar espaço e dar voz para minorias, continuou. Em 1986 se candidatou a deputada federal, com o objetivo de participar da formulação da Constituição Federal do país.
Ao ser eleita, dirigiu-se a Brasília. “Um momento memorável”, disse. A nova Constituição precisava ter a asseguração de direitos para que a mulher pudesse exercitar a sua cidadania e postura de maneira igualitária. A articulação em prol desses direitos estava sendo realizada por um pequeno grupo de mulheres que ocupavam aquele espaço. O necessário foi feito para mostrar ao povo brasileiro a competência feminina.
“Fui muito apedrejada, mas não me importava com isso. Venci uma selva aqui (Amazonas) como juíza de direito, então não tinha como não vencer no Planalto. Fui pra lá com o objetivo de vencer”, afirmou.
A parlamentar contribuiu com a formulação da Constituição e logo depois foi eleita mais uma vez como deputada federal. Desta vez, o último mandato de sua carreira política. Justificativa? “Roubo de votos do próprio grupo que achava pertencer”, responde taxativa.
Sua carreira como figura política por meio de cargos chegou ao fim, mas seu ativismo e posicionamento não. Passou a se dedicar mais à escrita, chegou a editar livros. Hoje compartilha seus textos na internet, principalmente suas crônicas.
“Onde existe qualquer necessidade da presença de mulheres com conhecimento jurídico, político, eu estou no meio. Eu continuo fazendo o que fazia, mesmo sem mandato. Gosto de escrever, gosto de cuidar da minha família. Sou uma pessoa útil”, disse.
O principal desejo de Beth Azize? Ver todas as mulheres se enxergando como agentes úteis da sociedade. Para ela, apesar dos avanços e facilidades de comunicação que as mulheres possuem hoje, poucas ainda ousam lutar pela sobrevivência do projeto feminino.
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