São Paulo-(SP) – O crime organizado brasileiro encontrou um novo campo de atuação — e ele passa longe do tráfico tradicional. Fintechs, apostas online e criptoativos viraram ferramentas de luxo para as engrenagens das facções criminosas, enquanto o Coaf, órgão central da inteligência financeira do país, ainda opera com uma estrutura da década passada.

É o que revela o estudo “Lavagem de Dinheiro e Enfrentamento ao Crime Organizado no Brasil”, conduzido pelo Instituto Esfera em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O relatório aponta o descompasso entre a crescente sofisticação das operações criminosas e a limitada capacidade de resposta do Coaf, que viu um aumento de 766% nas comunicações de operações suspeitas desde 2015, mas continua com menos de 100 servidores — número bem abaixo de países como Estados Unidos e França.

“Fortalecer o Coaf é urgente. Sem autonomia, tecnologia e pessoal capacitado, não há como rastrear o dinheiro do crime no século XXI”, diz Pierpaolo Bottini, presidente do Conselho Acadêmico do Instituto Esfera.

Facções investem em inovação

Se antes o dinheiro do tráfico escoava em espécie e imóveis, hoje os fluxos se diluem em apostas online, contas digitais e moedas virtuais. Segundo o relatório, PCC e Comando Vermelho têm se aproveitado de três brechas principais:

  • Fintechs: Operações sem regulação clara até 2021 permitiram a abertura de contas e circulação de dinheiro sem o crivo do Banco Central.
  • Apostas online: Utilizadas como canais de legalização de recursos ilícitos, com alto volume e baixa rastreabilidade.
  • Criptoativos: Servem tanto para ocultar patrimônio quanto para transações internacionais anônimas, dificultando o monitoramento.

“Estamos diante de uma nova geração de criminalidade financeira. Se o sistema de inteligência não evoluir junto, o Estado continuará enxugando gelo”, alerta Camila Dantas, CEO da Esfera Brasil.

Coaf: sob demanda, sem estrutura

Os dados do relatório apontam que 48,5% dos ilícitos reportados ao Coaf em 2024 estão ligados a tráfico e facções criminosas. Ao mesmo tempo, o órgão sofre com:

  • Falta de carreira própria e alta rotatividade
  • Déficit tecnológico
  • Dificuldade de acesso a bases de dados estratégicas
  • Ausência de coordenação eficaz entre instituições

Comparativamente, o Coaf brasileiro tem menos de um terço do efetivo da sua contraparte norte-americana (FinCEN) e menos da metade da francesa (TRACFIN).

Caminhos para mudar o jogo

O estudo propõe cinco frentes para tirar o Coaf da inércia institucional:

  1. Criação de carreira própria e ampliação do quadro de servidores
  2. Integração de bases de dados e obrigatoriedade de compartilhamento com MP
  3. Investimento em tecnologia e adoção de ferramentas como o GoAML
  4. Supervisão ativa de setores não financeiros ainda não regulados
  5. Coordenação real entre órgãos de controle, investigação e Justiça

“O problema não é só técnico. É estratégico. Deixar o Coaf frágil é permitir que o crime se fortaleça na sombra da modernidade”, reforça Bottini.

Lançamento e debate público

O estudo será lançado oficialmente nesta quarta-feira, 25 de junho, às 8h30, no auditório do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília. A íntegra está disponível no site da Esfera Brasil.

Sobre a Esfera

A Esfera Brasil, presidida por João Camargo, reúne empresários, intelectuais e lideranças para discutir soluções viáveis aos gargalos do país. A CEO Camila Funaro Camargo Dantas lidera a organização em iniciativas como esta, que colocam o debate público no centro da construção democrática.

Leia mais:

Operação combate o crime organizado no Norte e Nordeste

Amazonas avança no combate ao crime organizado com Bases Arpão

‘Proteção inimiga’: Quando a população é coagida pelo crime organizado