Em um 7 de setembro marcado não só pela efeméride de 200 anos da independência brasileira, mas também por uma atmosfera política pesada, em torno de eventos que eram só protocolares em anos anteriores, os simbolismos e as narrativas históricas têm papel de destaque.
A historiadora Ynaê Lopes dos Santos considera que o presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) aposta numa perspectiva ufanista, baseada na mítica do famoso quadro Independência ou Morte, como forma de promover sua imagem nos eventos desta quarta-feira pelo Brasil.
Ela também afirma que o quadro de Pedro Américo não mostra uma dimensão importante do Brasil que nasceu após a proclamação da independência: a opção política por uma sociedade baseada na exploração dos escravos.
Doutora em história social pela USP e professora de história das Américas na Universidade Federal Fluminense (UFF), ela se dedica em seus trabalhos a observar a formação do Brasil e de outras sociedades do continente a partir da estrutura racial dos países, suas relações internas e o papel determinante e violento da escravidão nesse cenário.
Em trecho de seu recente livro Racismo Brasileiro: Uma História da Formação do País (Todavia, 2022), Santos propõe para o racismo uma metáfora diferente da “doença que precisa ser expurgada”.
“Seria muito mais fácil se essa metáfora condissesse com a realidade: bastaria buscar uma cura para o racismo e pronto. Mas não há pílula mágica, porque não estamos tratando de uma doença. Uma alegoria mais eficiente para compreender a real dimensão do racismo seria compará-lo ao sistema nervoso central do corpo humano. Não bastam remédios. É preciso reprogramar todo o nosso cérebro.”
Ela também é autora de História da África e do Brasil Afrodescendente (Pallas, 2017) e Além da Senzala: Arranjos Escravos de Moradia no Rio de Janeiro (Hucitec, 2010).
Dia da Independência
O 7 de setembro aparece no imaginário brasileiro muito pelo que retrata o quadro Independência ou Morte de Pedro Américo, feito 66 anos depois da proclamação e que mitifica os eventos daquele dia.
“Acho importante a gente pontuar com duas dimensões essa história. A primeira dimensão, que nunca é contada, diz respeito às figuras que fizeram parte da construção desse mito: D. Pedro I e as elites que estavam com ele e a aposta que fizeram numa nação que nasceu alicerçada na escravidão”,
afirma a historiadora.
“Isso foi uma escolha. Podia ter sido feito diferente. O patrono da independência do Brasil, José Bonifácio, propõe o fim gradual da escravidão, uma reforma agrária e a incorporação da mão de obra indígena. Nada disso é levado em consideração. Porque você tem um projeto de país organizado por homens que se identificam com o proprietário de escravos”,
acrescenta.
A pesquisadora lembra dos outros grupos brasileiros esquecidos por parte da história, mas que tiveram papel importante no processo da Independência. “Uma outra dimensão são as experiências dos sujeitos que não faziam parte das oligarquias brasileiras, mas que participaram ativamente desse processo de independência de formação nacional. Os africanos escravizados, homens e mulheres negros, a participação indígena em diferentes momentos desse processo de independência. Esse é um outro problema do quadro: ele fecha a ideia da independência do Brasil nesse 7 de Setembro, quando, na verdade, é impossível compreender o processo de independência sem tomá-lo como um processo. ”
Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro está dando grande ênfase aos eventos deste 7 de setembro de 2022 dentro de sua campanha de reeleição. A pesquisadora aponta que ele é uma reprodução de um mito que realiza a manutenção do sistema racista.
“Bolsonaro é a reprodução das elites brasileiras que criaram o mito do 7 de setembro e que compactuaram com a manutenção da escravidão naquele momento e depois compactuaram com a manutenção de um racismo sistêmico no Brasil. Ele já deixou bem evidente que vai apostar numa perspectiva ufanista a partir do quadro de Pedro Américo”, declara.
“Ele aposta na manutenção dessa perspectiva bem conservadora da história do Brasil, desse mito de um país que nasce a partir de um militar que desembainha sua espada à beira de um rio. Do homem branco, militar, que constrói uma nação”,
indica.
A historiadora diz que não vê paralelos entre a figura de D. Pedro I e de Bolsonaro. “Acho que existe essa identificação com o homem branco militar meio toscão, mas D. Pedro era mais sofisticado. Talvez com o poder moderador [instrumento com que o imperador podia intervir em caso de conflito entre poderes e que se sobrepunha aos demais] que D. Pedro se outorgou”, destacou.
*Com informações da BBC Brasil
Leia mais:
Movimentos de esquerda decidem não realizar atos neste 7 de setembro em Manaus
Movimentos de direita realizam atos no 7 de setembro em Manaus e prometem “surpresas”
Para ficar por dentro de outras notícias e receber conteúdo exclusivo do portal EM TEMPO, acesse nosso canal no WhatsApp. Clique aqui e junte-se a nós! 🚀📱