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Perseverança

Mulher de 50 anos moradora da Baixada fluminense entra para a universidade pública

Aparecida prestou Enem quatro vezes antes de conseguir passar

Aparecida Rosaní, de 50 anos, já trabalhou em comércio, foi ajudante de cozinha e empregada doméstica. Passou três décadas sem frequentar salas de aula. Somente em 2018 resolveu que era o momento de alçar os novos voos que a levaram, hoje, a uma graduação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Rosani era uma menina quando terminou o curso de normalista no Colégio Estadual Arêa Leão, no Bairro da Posse, em 1990. Ela chegou a tentar carreira na docência, mas a desvalorização da profissão a impediu de continuar. Desde então, fez de tudo um pouco.

“Nessa época, fiquei três anos desempregada e já estava ficando doida. Estava desnorteada. Precisava fazer alguma coisa para ocupar a minha mente. Algo que também fosse me render um futuro melhor. Pensei em fazer curso técnico em Enfermagem, mas não consegui nada gratuito. Aí abriu a inscrição para o pré-vestibular. Me inscrevi”, conta Aparecida.

No início, foi um desafio. A quantidade de jovens — inclusive entre os professores — deixou Aparecida receosa e insegura. Foi o apoio de familiares e amigos que a mantiveram firme no curso preparatório pré-vestibular da Prefeitura de Nova Iguaçu. As aulas acontecem na Escola Municipal Monteiro Lobato, no Centro do município. A cuidadora, que mora no Bairro Kennedy, levava 20 minutos, às 8h de todos os sábados, para chegar ao pré-vestibular, onde passava o dia inteiro.

Persistência

Desde que entrou no curso, Aparecida decidiu prestar vestibular e fazer as provas do Enem. Se inscreveu em 2018, 2019, 2020 e 2022. Quando recebia os resultados e via a melhora no desempenho, ficava ainda mais obstinada na busca de uma vaga na graduação. Durante a pandemia, quando a prefeitura suspendeu as aulas do curso, decidiu usar as apostilas para estudar por conta própria para realizar o sonho da Enfermagem.

“Tive nota 700 na Redação do Enem por duas vezes. Na época, pensei: “tá melhorando, tô gostando da brincadeira”. No início da pandemia, tinha apostilas guardadas e fiquei estudando sozinha em casa. Em 2021, voltamos a ter algumas aulas remotas, por uns dois meses, e eu estava lá. Já em 2022, cheguei a começar com a turma, mas logo passei para a Uerj”, explica.

A notícia da aprovação, no segundo semestre de 2022, veio como uma feliz surpresa. Aparecida conta que, ao saber que tinha passado, teve medo e coragem. Tudo ao mesmo tempo. Nada superou, no entanto, sua vontade de seguir àquilo que tanto lutou para conseguir. De vez em quando, confessa, ela ainda se “belisca” para ver se realmente está vivendo a conquista.

“Até hoje fico meio em choque. Paro, olho, e penso: “estou aqui mesmo”. É como se fosse um sonho. A gente tem na mente que não vai conseguir. Ou porque é pobre, ou porque acha que o estudo não foi lá essas coisas. Mas sempre tem alguém para ajudar, para apoiar. Requer também um pouco da nossa vontade, o querer aprender e o querer melhorar”, diz Aparecida.

A estudante de Enfermagem não vê a idade como um problema. O receio de estar entre os jovens passou rápido, assim que chegou à universidade e foi abraçada pelos colegas de classe, professores e coordenadores. Dez dias depois da primeira aula na Uerj, a vida a surpreendeu com a perda de sua mãe. Mais um desafio. Ela conta que, na época, pensou em desistir de tudo, mas teve na universidade uma rede de apoio.

“É difícil. Pensei em desistir, mas a coordenadora conversou comigo, me deu todo o apoio. Reduziu as disciplinas e eu não parei. Não vou parar. Minha família diz que sou inteligente, mas não sou. Eu sou é muito esforçada”, brinca.

A gente pode tudo se der o primeiro passo’

Para as muitas outras Aparecidas pela Baixada, pelo Rio e pelo Brasil, a futura enfermeira deixa uma orientação preciosa: “Não se sabotem!”. Para ela, mesmo com os momentos naturais de desânimo e cansaço, o que importa é a crença em si mesmo.

“Tem muita gente escondida que está em busca de uma graduação. Tem muita gente que não teve essa oportunidade lá atrás, por vários motivos, e agora, com mais idade, estão aproveitando para resgatar o sonho. Isso envolve não somente o estudo, mas a saúde mental, principalmente. A gente pode tudo se der o primeiro passo”, diz Aparecida.

A Secretaria Municipal de Educação de Nova Iguaçu (Semed) abriu, ontem, inscrições para novos alunos que, assim como Aparecida, desejam realizar seus sonhos no curso preparatório. As inscrições ficam abertas até o dia 10 de março e devem ser feitas pela internet, onde basta preencher um formulário.

Serão oferecidas, ao todo, 160 vagas — 80 para o curso pré-vestibular e outras 80 para o pré-técnico. O público-alvo são os iguaçuanos que estejam cursando ou tenham concluído tanto o nono ano do ensino fundamental quanto o último ano do ensino médio. Para ser contemplado com uma vaga, o candidato deve ser morador do município ou estudar na rede pública de ensino da cidade. Estudantes de escolas particulares também podem participar do preparatório, desde que comprovem recebimento de bolsa.

Os interessados também devem comprovar estado de vulnerabilidade socioeconômica com apresentação do CadÚnico atualizado. Na falta do documento, é necessário comprovar que a renda familiar é de até um salário mínimo por pessoa, não ultrapassando a renda familiar de três salários mínimos.

*Com informações do Extra

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