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Tradição deixada para trás

População observa descaracterização das festas juninas tradicionais em Manaus

Apesar do apoio, as características tradicionais dos festejos juninos vão se perdendo com o tempo aos olhos da população

Manaus (AM) – Dos últimos anos para cá, a população amazonense percebe o incentivo e apoio que as autoridades municipais injetam na área cultural. Movimentando mais de R$ 4 milhões na economia local, o 65º Festival Folclórico do Amazonas, por exemplo, recebe esse ano um público recorde de 120 mil visitantes. Apesar do apoio às manifestações culturais, as características tradicionais dos festejos juninos vão se perdendo com o tempo aos olhos da população.

Com tradição nordestina, o “São João comunitário” deixou de receber todas as classes sociais e hoje conta com festas fechadas, não disponíveis a todos os públicos. Além do aumento dos preços de comida e bebida, outra mudança é a implementação de ritmos diferenciados nas danças tradicionais, que descaracterizam o movimento cultural.

Na capital amazonense, as festas mais populares na cidade estão situadas nas zonas Centro-Sul de Manaus. O Festival do CSU do Parque 10 e o Festival Folclórico do Amazonas, que ocorre na Bola da Suframa, são responsáveis por concentrar grande parte das apresentações culturais de agremiações da cidade. Mas, nos últimos anos, manauaras apontam que a grandiosidade do festival deixou a desejar.

Com tradição nordestina, o “São João comunitário” deixou de receber todas as classes sociais ao passar dos anos Foto: Divulgação

A dona de casa Rosângela Silva, de 65 anos, visita anualmente o festival que ocorre na Bola da Suframa e conta que as apresentações atuais estão diferentes das danças tradicionais.

“Hoje em dia não vejo tanto a dança tradicional, as quadrilhas misturam os ritmos com funk, sertanejo, até as roupas perderam os brilhos, está muito diferente, não fico tão animada para assistir”,

desabafa a aposentada.

Mas, o festival que ocorre hoje na Bola da Suframa, anteriormente, ocorria em outro lugar da cidade. O Festival Folclórico do Amazonas, até a década de 70, era realizado no Centro da cidade, na Praça General Osório, hoje fechada e integrada ao Colégio Militar de Manaus, o historiador e professor, Fábio Augusto de Carvalho Pedrosa, explica que os altos valores no local afugentam moradores.

“Com a transferência para a Bola da Suframa, muitas pessoas deixaram de frequentar por conta da distância e também dos altos preços que passaram a ser praticados nas barracas e atrações”,

pontua o professor.

O historiador também observa a mudança das danças tradicionais para um estilo mais estilizado, o que pode atrair e desmotivar o público, dependendo do ponto de vista.

“Uma reclamação que observo há algum tempo é de que as danças tornaram-se genéricas, sem ritmo e qualquer relação com o tradicional São João. Para piorar, temos visto que em alguns festivais as músicas populares estão sendo substituídas por apresentações de artistas de gêneros que não possuem nenhuma relação cultural com o São João, como o sertanejo e o funk”,

conta Pedrosa.

Hoje em dia, os ritmos populares da grande massa dominam as paradas musicais, principalmente pela divulgação efetuada nas redes sociais. Por ser tão popular, os “hits” do momento fazem parte do repertório das danças que um dia já foram mais tradicionais.

Comidas características das festas juninas estão perdendo espaço no eventos atuais Foto: Divulgação

A descaracterização da festa junina ainda ocorre por meio da gastronomia, onde as comidas tracionais, conhecidas também como “comidas da roça”, perdem espaço para as comidas industrializadas.

No Festival Folclórico do Amazonas, por exemplo, que ocorreu em junho deste ano, tinha entre as barracas de comidas especais, tendas vendendo pizza, hambúrguer, batata frita, doces “gourmetizados”, entre outros alimentos que não fazem parte do contexto original de uma festa junina.

“Até tem comida tradicional, mas também é cara. Um prato simples de churrasco com arroz e farofa saiu por R$ 17. Nem todo mundo tem condições de comprar, você vê um pedaço de pizza, vendido a R$ 10. Está caro, mas ainda sai mais em conta, só que não tem nada a ver com a festa junina em si”,

esclarece Rosângela Silva.

Valores cada vez mais caros

O historiador Fábio Pedrosa acentua que uma festa que deveria ser popular, se torna cada vez mais voltada às classes que possuem um poder aquisitivo maior.

“As festas populares, como diz o nome, deveriam atender à população, mas, infelizmente, não é isso que temos visto. Em Manaus, nos arraiais do Parque 10 e da Bola Suframa temos encontrado pratos pequeníssimos custando R$ 35. Imagina como fica para uma família?”,

questiona o professor.

Grande parte da popularização dessas festas tradicionais ocorreu por conta da midiatização por grandes veículos de comunicação. Hoje em dia, com o avanço e o impacto das redes sociais, muitos influenciadores divulgam as festas juninas com uma visão considerada mais capitalista do que cultural.

São poucos os que mostram as atrações culturais e aproveitam os festejos em frente ao palco. O público possui o interesse de saber quanto custa os pratos típicos e brinquedos disponíveis, mas a divulgação não incorpora as danças tradicionais que se apresentam durante as noites de funcionamento dos festivais.

“Com a grande midiatização desses eventos em veículos de comunicação, essa atividade também contribui para essa evasão das tradições e prática de preços abusivos. Com certeza, a mídia tem grande papel nessa mudança. Ao mesmo tempo, em que promove essa modificação, ela também consegue dar vazão a críticas”,

finaliza Fábio Pedrosa.

A medida que o tempo passa, o tradicional cede espaço a modernização, e isso inclui os festejos ocorridos no mês de junho. Um exemplo nacional desta situação foi a apresentação de meia hora do cantor de forró Flávio José, no São João de Campina Grande (PB), que teve o tempo diminuído para a apresentação do cantor Gusttavo Lima.

Ícone do forró, Flávio José teve show reduzido por conta de Gusttavo Lima Foto: Divulgação

Os especialistas apontam que a apropriação cultural dos festejos juninos foi subsidiada pelo processo de capitalismo, que dá preferência aos itens e artistas que possuem uma visibilidade maior, ao invés de pessoas que atuam diretamente nos festejos, independente de época.

Cada vez mais, o tradicionalismo deixa de ser protagonista, dando espaço as novas influências, que agradam os mais novos, mas desmotiva quem gosta de festas convencionais.

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