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Política ambiental

Desmatamento e garimpo na Amazônia: os desafios do governo Lula na política ambiental

É no cenário com o aumento do desmatamento e do crescimento do garimpo ilegal e de organizações criminosas que o novo governo Lula precisará atuar para frear a escalada de crimes socioambientais na Amazônia

Foto: Divulgação

Manaus (AM) – O turbulento ano de 2022 foi fechado com mais um dado alarmante: os números de desmatamento na Amazônia foram os maiores em 15 anos, sendo o Amazonas o segundo estado do país com maior degradação da floresta. É nesse contexto, somado o aumento do garimpo ilegal e de organizações criminosas, que o novo governo Lula precisará atuar para frear a escalada de crimes socioambientais na maior floresta tropical do mundo.

No primeiro dia do terceiro mandato, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) iniciou os trabalhos com uma série de revogações de decretos ambientais do governo Bolsonaro, como o decreto nº 10.966/2022 que incentivava o garimpo ilegal na Amazônia.

A mais recente medida, do pacote de revogações de decretos assinados pelo governo anterior, ocorreu na última segunda-feira (16). A ministra dos Povos Indígenas Sônia Guajajara revogou a instrução normativa 12/22, assinada por Bolsonaro no apagar das luzes de seu mandato, em dezembro de 2021, que permitia a extração de madeira em terras indígenas. O anúncio foi feito nas redes sociais da ministra. Sem a revogação, a IN 12/22 entraria em vigor no dia 16 de janeiro.

“Revogado a IN 12/22, da Funai e Ibama que facilitava a exploração de recursos madeireiros em terras indígenas. Este foi um dos últimos atos assinados na gestão Bolsonaro. Nosso compromisso é com a proteção das terras indígenas. Não permitiremos mais retrocessos!”,

escreveu a ministra Sônia Guajajara.

Ao Em Tempo, o deputado federal eleito Amom Mandel (Cidadania) afirmou que cobrará do novo Governo Federal a promessa feita pelo presidente Lula de zerar o desmatamento na Amazônia. Também questionou se a infraestrutura atual é suficiente para o fim da degradação ambiental na região.

“Será que com apenas cerca de duas lanchas blindadas para o Amazonas inteiro nós vamos combater o desmatamento de forma adequada? Ou será que o Governo Federal deve, por exemplo, destinar mais verbas para que o Governo do Estado adquira mais lanchas? Será que o Governo Federal deve instituir novas metodologias para ajudar a acabar com o desmatamento? Novos órgãos? Aderir a novos tratados? Esse é um debate que deve ser feito”,

disse.

O parlamentar também destacou a importância do diálogo entre o Governo Federal e a bancada federal do Amazonas sobre a pauta ambiental, a qual tem relação direta, conforme Amom Mandel, com a necessidade local, nacional e internacional na contenção de danos ambientais . No entanto, afirmou não ter visto, no momento, “essa porta para o diálogo ser aberta”.

“Parte dos parlamentares da bancada já se colocam como oposição ao governo; isso quer dizer que o governo não vai dialogar com quem avaliar que é ‘de oposição’? Vale a reflexão’,

disse o parlamentar.

Em relação ao balanço das políticas ambientais do governo Bolsonaro, o cientista político Helso Ribeiro descreveu como “o pior possível” e lembrou da imagem negativa que o Brasil passou para o mundo em razão dos índices negativos de desmatamento na Amazônia. “Eu espero que não tenha mais vez e nem voz”. Também analisa que o governo Lula deve ir além de “discursos”.

”Penso que o governo Lula não dá pra ficar só no discurso como já houve ainda em outra ocasião. Mas, tem que aparelhar o IBAMA, o ICMBio, e os órgãos de fiscalização que foram, de certa forma, desestruturados e desprestigiados nos últimos quatro anos. A partir daí, dar esforços pra ter resultado prático”,

afirmou.

Atenção à pauta ambiental

Para a pesquisadora e ambientalista Elisa Wandelli, a revogação imediata de decretos, portarias e INs, assinados pela gestão anterior, foi “extremamente necessária e importante “. Conforme a ambientalista, as ações do novo governo miraram medidas do governo Bolsonaro que “destruíram e enfraqueceram o arcabouço de proteção ambiental e fragilizou a vida dos povos originários e tradicionais e a participação popular brasileira nos processos participativos.

“Entre as principais revogações das políticas de destruição, o Presidente Lula e a atual Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, reestabeleceram a Comissão interministerial permanente de prevenção e controle do desmatamento e o plano de Ação para a prevenção e controle do desmatamento na Amazônia Legal – PPCDAm e demais biomas. O governo Lula também revogou a legislação do governo anterior que impediu que a sociedade civil e parte da sociedade científica tivesse assento no Conselho Nacional do Meio Ambiente”,

ressaltou.

A pesquisadora destacou a reativação do Fundo Amazônia, que ficou parado durante o governo Bolsonaro em razão do aumento do desmatamento e do enfraquecimento dos órgãos de controle e fiscalização. O Fundo Amazônia foi criado, em 2008, para captar doações internacionais para o fomento de programas e projetos de preservação. Nesta quarta-feira (18), a ministra do Meio Ambiente Marina Silva anunciou, em entrevista ao Fórum Econômico em Davos, que o fundo pode ultrapassar cerca de US$ 10 bilhões.

O pesquisador Carlos Durigan também avaliou a revogação de decretos da gestão passada como uma ação certeira do atual governo. Para ele, a nomeação de Marina Silva como ministra do Ministério do Meio Ambiente é um sinal de que a pauta ambiental deve ganhar a atenção e responsabilidade.

“Temos o potencial de reverter rapidamente o cenário de degradação em que vivemos e ainda conseguir o apoio global que precisamos para tocar agendas importantes, não só de contenção do avanço do desmatamento e da degradação, como também na construção de políticas eficazes e positivas de desenvolvimento sustentável em todos os biomas brasileiros”,

disse.

A sinalização positiva sobre o avanço e o fortalecimento nas pautas ambientais também é entendida pelo analista ambiental do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) Arivan Ribeiro Reis.  

“As ações [do governo Lula] se diferem e se contrapõem ao discurso e ações do governo Bolsonaro, que fragilizou e sucateou os órgãos ambientais, incentivou os ilícitos ambientais, inclusive em terras indígenas; e que em plena pandemia da COVID defendeu a prática criminosa de ‘aproveitar para passar a boiada’. Prática que incentivou as invasões de terra e desmatamento recorde no Amazonas”,

afirmou.

Legado de Bolsonaro

Conforme os ambientalistas ouvidos pelo Em Tempo, o legado do governo Bolsonaro em relação a política ambiental no país é de completa destruição, seja na desmobilização dos órgãos de fiscalização, como nos efeitos da flexibilização de normas ambientais na Amazônia.

“Simplesmente tivemos um governo que, com base no negacionismo e no ressentimento, estabeleceu uma política de desmonte e fragilização das estruturas de estado que têm na sua missão, cuidar de nosso patrimônio natural nacional. Junto com isto, ainda fechou as portas para as representações da sociedade nas esferas de tomada de decisão e desestruturou políticas importantes estabelecidas nas últimas décadas, como as voltadas ao controle do desmatamento e aquelas de captação e destinação de fundos para a construção de uma agenda voltada ao desenvolvimento sustentável”,

explicou o ambientalista Carlos Durigan.

O relatório do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), divulgado na quarta-feira (18), revelou que durante os últimos quatro anos a perda de cobertura vegetal da Amazônia foi de 35.193 km², o maior desde 2008. Dessa área desmatada, 80% são de responsabilidade do governo federal.

No total, segundo o Imazon, apenas no ano passado, o bioma perdeu quase 3 mil campos de futebol por dia, o que equivale a 10.573 km².

Na região da Amazônia Legal, o Amazonas figura o segundo lugar entre os estados com a maior volume de desmatamento em 2022, com 2.270 km², ficando atrás apenas do Pará que lidera a lista de degradação da floresta amazônica com 3.089 km². O Amazonas e o Mato Grosso, conforme o Instituto Imazon, foram os únicos estados que obtiveram um aumento do desmatamento em relação ao ano 2021.

Além do aumento do desmatamento na Amazônia, tem se proliferado na região, conforme o estudo Cartografias das Violências na Região Amazônica, grupos de facções criminosas que estão intimamente relacionados com crimes ambientais, como extração de madeira ilegal, garimpo e conflitos por terra.  

“Como se não bastasse a fragilização do estado e das políticas públicas para a para a agenda socioambiental, nos seus discursos e na sua inação, ainda promoveu o crescimento de crimes ambientais, incentivando e apoiando em seus discursos e ações, a ampliação de um cenário de conflitos e crimes em toda a Amazônia”,

disse o ambientalista Carlos Durigan.

O garimpo ilegal foi outra atividade que cresceu nos últimos quatro anos do governo Bolsonaro. De acordo com a pesquisa MapBiomas, em 2021, o garimpo atingiu o maior crescimento em 36 anos, com 15 mil hectares. Além da degradação ambiental, o rastro do garimpo também atinge as populações ribeirinhas e os povos indígenas. De acordo com o Instituo Socioambiental (ISA), as populações na Amazônia próximas ao garimpo apresentam o Índice de Progresso Social (IPS) menor em comparação com outras regiões amazônicas.

Desafios e caminhos

Ainda que o novo governo federal tenha iniciado as revogações de decretos de políticas ambientais de Bolsonaro, para a pesquisadora e ambientalista Elisa Wandelli, elas não são suficientes para recuperar todo o desmonte de políticas públicas e a destruição ambiental promovidos pelo governo anterior.  

“Nem por si só pretende-se que irão promover todo o avanço necessário para que o Brasil pare de destruir suas florestas e seus povos tradicionais e para que possamos viver em sustentabilidade e contribuir para a vida planetária”, ressaltou.

O principal desafio à política ambiental do novo governo, conforme Eliza Wandelli, é a recuperação de territórios dominados pelo crime organizado por garimpeiros, madeireiros, narcotráfico, atividades de pesca predatória e grilagem de territórios públicos e terras dos povos originários na Amazônia.

“Estes infratores se fortaleceram muito no governo anterior principalmente devido ao desmonte das instituições ambientais e polícias responsáveis pela fiscalização, monitoramento e mitigação aos crimes ambientais, devido a política armamentista e devido ao estímulo descabido à crimes ambientais e a não punição”, explicou.

Nesse sentido, a ambientalista alerta para a necessidade de ir além da “reconstrução de um arcabouço legal de proteção ambiental”.

“Teremos que reconstruir os orçamentos, as estruturas, os recursos humanos e os princípios democráticos e de sustentabilidade das instituições responsáveis pela fiscalização, monitoramento e mitigação do desmatamento. [No âmbito] de ensino, assistência técnica e pesquisa para a sustentabilidade. E [reconstruir] instituições de promoção da soberania alimentar, conservação ambiental, geração de renda e qualidade de vida para os povos das águas, do campo, da floresta e das cidades”, destacou.

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