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Redemocratização de 1985

Redemocratização de 85: a vitória contra a ditadura no Brasil

O fim da ditadura militar e a retomada do poder pelos civis integra mais um capítulo da história da democracia no país

Manaus (AM) – Desde o resultado das eleições presidenciais, grupos antidemocráticos se instalaram em frente aos quarteis generais em todo o país com pedidos de viés golpista como a volta da ditadura militar. O período é uma mancha grave na história da democracia brasileira, marcado por perseguição e fim das instituições.

No entanto, os inúmeros direitos perdidos no Brasil foram restabelecidos com o processo de redemocratização e com a criação da constituição de 1988. O fim da ditadura militar e a retomada do poder pelos civís integram mais um capítulo da história da democracia no país. Também fazem parte de uma série de reportagens do Em Tempo sobre a democracia brasileira.

O cientista político Helso Ribeiro ressaltou a contradição no pedido dos manifestantes golpistas pela volta da ditadura militar no Brasil, visto que não era possível, no contexto ditatorial, a realização de manifestações populares sem coerção violenta por parte do Estado.

“Essas pessoas que pedem intervenção militar não têm noção. Nessa época, elas estariam presas, porque discordar de quem estava no poder era subversivo”,

afirmou.

Para o cientista político Carlos Santiago, o debate sobre a ditadura militar é essencial e precisa ser aprofundado no campo da educação no país, principalmente para evidenciar os perigos desse sistema.

“Quem defende a volta da ditadura militar é porque não viveu esse momento, e não sabe o que é viver a censura, a perseguição, agressão e tortura. Talvez fosse necessário o Brasil e principalmente as instituições brasileiras, em especial, as instituições de educação ensinarem para gerações o que de fato é uma ditadura militar, como ela fez e faz tão mal para o Brasil de hoje”,

enfatizou.

O vereador Antônio Peixoto (Pros) ressaltou que o fim da década de 1970 e o início de 1980 com a redemocratização brasileira é um marco significativo na consciência político-social do país.

“O processo de redemocratização compreendeu uma série de medidas que viabilizaram as garantias da população, a liberdade de imprensa e restaurou o sistema democrático. Foi nesse momento que a política brasileira pode ressurgir, com o retorno do pluripartidarismo, que vivenciamos hoje, e o que tornou possível a volta das diversas ideias e opiniões, fundamentais para a verdadeira democracia”, destacou.

Ao Em Tempo, o deputado estadual Serafim Corrêa (PSB) destacou figuras emblemáticas do Amazonas que participaram do processo de redemocratização como o ex-governador Gilberto Mestrinho.

 “Ele voltou para a política depois de tanto tempo cassado, e contribuiu para a redemocratização, assim como Raimundo Parentes, José Lindoso e tantos outros, porque naquele momento havia a clareza e o entendimento de que era preciso voltar a democracia no Brasil”,

disse o parlamentar.

Processo de redemocratização

A redemocratização no Brasil após o golpe de 1964 pelos militares demorou para acontecer. Conforme o historiador Daniel Sales, a abertura política passou a ser vislumbrada somente a partir de 1975 no governo Geisel.  

Em meio a decadência e desmoralização do regime militar, de acordo com o historiador Aguinaldo Figueiredo, os militares foram forçados a fazer a abertura democrática, visto que já não possuíam o poder ideológico do Estado. Além disso, a economia também passava por uma profunda crise, como o aumento da inflação e o ‘choque do petróleo’.

“A economia estava em ruínas por conta da conta petróleo que consumia 60% das reservas internacionais e do PIB, e a inflação foi a maior da história do Brasil nos últimos governos de Geisel e Figueiredo. Com o desabastecimento de combustível tiveram que criar o Proálcool e fazer rodizio de postos de combustível”, explicou.

O sucateamento da indústria nacional, e a impagável dívida externa e interna também somavam a instabilidade do governo. “As músicas de protestos de Chico, Gal, Gilberto e de Geraldo Vandré que não siam da cabeça do povo contribuíram com a queda da casta militar, que também já não tinham interesse em prolongar a situação”, afirmou Aguinaldo Figueiredo.

Nesse contexto, em 1983, surgiu a emenda Dante de Oliveira, que restabelecia as eleições para presidente. Porém, não foi aprovada. Apesar do avanço para a transição democrática, alguns militares tentaram realizar diversos contragolpes com o objetivo de insistir na permanência no governo dos grupos de ‘linha-dura’.

“Aos poucos, eles foram sendo vencidos. A partir de muitas negociações, foi negociada a anistia geral e irrestrita, que abrangeu todos os envolvidos em atos contra a soberania, contra a democracia, e atos terroristas”, destacou o historiador.

Eleições e Constituição   

Em 1985, Tancredo Neves venceu a eleição indireta para Presidente da República contra Paulo Maluf, sendo o substituto do general João Figueiredo. “Diga-se de passagem, preferia o cheiro dos cavalos do que o cheiro do povo”, observou o historiador Aguinaldo Figueiredo.

Por uma fatalidade, o presidente eleito contraiu uma doença grave e morreu antes de sua posse. O vice-presidente de Tancredo, o senador José Sarney, assumiu seu lugar. Nos anos seguintes foram reinstauradas as eleições diretas municipais e presidencial.

“Nesse ímpeto de 1985 até 1990, houve o restabelecimento das eleições para as cidades consideradas de fronteira e de segurança nacional. As eleições para governadores já em 82, e para consolidar o processo com a eleição para presidente em 1989”, afirmou.

Durante o governo Sarney, foi convocada a Assembleia Constituinte que legou a Constituição brasileira de 1988. “É uma das constituições mais completas e democráticas que existem no mundo. Então, depois da constituição, criou-se o conceito de Nova República”.

Eleições no Amazonas

No Amazonas, a partir da Lei da Anistia, alguns políticos caçados como os ex-governadores Gilberto Mestrinho e Plínio Coelho retornaram e passaram a fazer campanhas para voltar à política.

“Então, em 82 tivemos a eleição para governador. Disputavam vários atores, se destacando, entre eles, o próprio Gilberto Mestrinho e o radialista Josué Cláudio de Souza Filho. Foram campanhas ricas, fartas de acusação, de improbidade e má conduta”, afirmou o historiador.

Com o apoio dos empresários do distrito, venceu o ex-governador Gilberto Mestrinho. Ao assumir, ele assume promessas de mudanças e de restauração da dignidade do povo. No entanto, o governo foi marcado por perseguições aos professores, e redução do salário de funcionários públicos.

“Ele tributou ainda mais a Zona Franca de Manaus. Teve uma arrecadação recorde, mas limitou-se a fazer pequenas obras de faixadas, e de pouco valor utilitário para o povo”, lembrou o historiador.

Em 1985, houve a eleição do prefeito Manoel Ribeiro em Manaus, mas foi cassado logo em seguida pelo governador da época Amazonino Mendes, que assumiu em 1986 como uma figura pouco conhecida pela população. “Ele era pupilo do ex-governador Gilberto Mestrinho, que conseguiu mobilizar o eleitorado para elege-lo como governador”.

Já nas eleições municipais de 1988, o historiador Daniel Sales destacou a vitória de Arthur Neto sobre Gilberto Mestrinho na capital.

Conforme o historiado Aguinaldo Figueiredo, esse período foi marcado pela ascensão de políticos populistas. Uma parte deles não conseguiu alavancar na política, como o ex-governador Plínio Coelho.

Lei da Anistia

Promulgada em 1979 por João Figueiredo, a Lei da Anistia perdoou todos os crimes políticos realizados entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Ou seja, todos aqueles que foram exilados, perseguidos e que tiveram seus direitos políticos cassados, puderam voltar para a vida política.

Ao mesmo tempo, ainda que a anistia tenha perdoado grupos perseguidos na ditadura militar, conforme Figueiredo, ela acabou sendo também uma armadilha por anistiar os crimes cometidos por militares:

“Porque mesmo atingindo a todos, os torturadores, os verdugos que serviram a ditadura ficaram impunes. Eles escaparam até hoje do julgamento de seus crimes, que não foram poucos. Alguns cruéis, como o caso do coronel Alberto Brilhante Ustra, ídolo do presidente Jair Bolsonaro, que morreu tranquilo, e sequer se arrependeu dos crimes que cometeu”, afirmou.

Para o historiador, a anistia dos militares deixou um ‘vácuo’ para o Brasil se redimir do período da ditadura. Com o objetivo esclarecer os crimes e violações contra os direitos humanos realizados nos anos do governo militar, foi criada, em 2011, no governo de Dilma Rousseff foi criada a Comissão Nacional da Verdade (CNV).

“As revelações são escabrosas. Nós vimos uma república paralela, e uma sociedade que se formou a margem da sociedade normal. As pessoas não tinham respeito pela natureza humana. Todo mundo sabia que não ia dar certo. Nenhuma ditadura no mundo deu certo. O destino da humanidade é a democracia. A anistia foi boa para uns, mas, infelizmente, colocou um manto criminoso naqueles que perpetuaram crimes contra a humanidade”, enfatizou Aguinaldo Figueiredo.

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