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Crise Yanomami

Crise Yanomami: fome pode se expandir para o AM com o avanço do garimpo na Amazônia

A presidente da Associação dos Povos Indígenas do Amazonas (Apim), Maria Baré, ressaltou a necessidade de frear e retirar o garimpo do Amazonas

foto: Divulgação

Manaus (AM) – O cenário de crianças e idosos Yanomami, em Roraima, com nível elevado de desnutrição, e o número de óbitos por outras doenças, são resultados de múltiplos fatores promovidos pela desassistência, a negligência e, principalmente, o avanço do garimpo na maior reserva indígena do Brasil. A presidente da Associação dos Povos Indígenas do Amazonas (Apim) afirmou ao Em Tempo que a fome, malária e outros problemas que afetam o povo Yanomami em Roraima não acontecem na mesma dimensão com os Yanomami do Amazonas, e outros povos indígenas que vivem no território amazonense.

No entanto, alerta para a necessidade de políticas estruturais voltadas para as demandas indígenas, sendo a de maior urgência aquelas voltadas para bloquear o avanço do garimpo no estado, que obteve, nos últimos 36 anos, sua maior expansão em 2021, com cerca de 15 hectares degradados pela atividade, conforme a pesquisa divulgada pelo MapBiomas.

Retrato da fome

No dia 21 de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visitou o território Yanomami, juntamente com outros ministros, e caracterizou a situação que encontrou como “desumana”. Essa descrição tem sido vista no Brasil e no mundo, com imagens de indígenas Yanomami com severa desnutrição que circulam na imprensa e nas redes sociais.

Os dados do Ministério da Saúde apontam que cerca de 5 mil crianças estão em estado de desnutrição ou passam fome. A falta de disponibilidade de alimentos em razão da degradação de recursos no território Yanomami pela escalada do garimpo e de atividades madeireiras ilegais é uma das causas da disseminação da fome, conforme o estudo “Perfil alimentar de crianças indígena Yanomami de seis a 59 meses, segundo o grau de processamento de alimentos”, da Universidade Federal de Pelotas.

Por consequência da destruição da floresta, os Indígenas Yanomami ficam vulneráveis e com a condição de vida mais precarizada, sendo empurrados para uma alimentação mais escassa ou com poucos nutrientes como os alimentos industrializados.  

“Os povos Yanomami, em especial, têm como característica a caça e a coleta de frutos como uma de suas principais formas de subsistência, contudo, destaca-se que as frequentes invasões das Terras Indígenas Yanomami por madeireiros e garimpeiros, além de afetar drasticamente a disponibilidade e variedade alimentar, pode estar favorecendo a introdução de alimentos industrializados, nessa população”,

diz a pesquisa.

Com o aumento da desnutrição crônica, conforme informou nas redes sociais, a ministra do Povos Indígenas, Sônia Guajajara, aproximadamente 570 crianças Yanomami morreram de fome nos últimos quatro anos no país.

“É muito triste saber que indígenas, sobretudo 570 crianças Yanomami, morreram de fome durante o último Governo. O Ministério dos Povos Indígenas tomará medidas urgentes em torno desta crise humanitária imposta contra nossos povos”, afirmou.

Ações políticas no Amazonas

Ao Em Tempo, o epidemiologista da Fiocruz Amazônia, Jesem Orellana afirmou que já visitou diversas populações indígenas no Amazonas, mas nunca encontrou uma situação tão grave e semelhante como o que viu nos últimos cinco anos no território Yanomami em Roraima. “É algo, no melhor dos casos, desumano e que precisa ser equacionado, com a devida punição dos responsáveis por mais esta dupla tragédia sanitária e ambiental”.

Isso porque, de acordo com a presidente da Associação dos Povos Indígenas do Amazonas (Apiam), há fatores diferentes que incidem entre as duas regiões. Uma dessas diferenças é a maior assistência promovida aos Yanomami no Amazonas. Outro fator é o crescimento do garimpo ilegal dentro do território Yanomami em Roraima. “Isso [o garimpo] acabou agravando muito mais a situação que já existia”.

“No caso dos Yanomami na região do Amazonas, mais especificamente na área do rio Negro, que é área que faz essa divisão com Roraima, ainda não chegou nessa situação. A gente tem problemas no estado do Amazonas de regiões bem vulneráveis, mas ainda nesse estado de fome como em Roraima”, disse.

A presidente da Apiam também afirmou que já estão sendo realizadas articulações e diálogos para evitar que a crise ambiental, sanitária e social chegue nos povos indígenas do Amazonas.

Conforme Maria Baré, na região do Alto Rio Negro, no Pico da Neblina, ocorrem atividades de garimpo ilegal, ainda que de forma esporádica. Nesse sentido, ela ressaltou ao Em Tempo a importância dos órgãos públicos atuarem para combater o garimpo nos territórios indígenas do estado do Amazonas.  

“Se não tiver uma atenção do estado para evitar completamente o garimpo, em um futuro bem próximo podemos chegar nessa situação. Se a Saúde Indígena não fizer o papel dela da forma que deve ser, que é justamente impedir e retirando os garimpeiros das áreas Yanomami”, alertou.

A presidente da Apiam salientou que uma vez que há invasão dentro dos territórios, é necessário que o Governo atue de forma imediata. “Não deixar os invasores avançarem. Por que o Estado não age para deter o garimpo ilegal? Não toma uma ação imediata para retirar essas pessoas do dentro do território”.

Avanço do garimpo

A população Yanomami, a qual possui maior reserva indígena do Brasil, localizada nos estados de Roraima e no Amazonas, com cerca de 98 quilômetros de extensão, viu crescer a atividade garimpeira nos últimos quatros anos. Conforme o líder indígena, Júnior Hekurari Yanomami, após invasão garimpeira, o número de casos de malária subiu na região.

“São 120 comunidades que precisam ter prioridade de urgência. Estamos falando de aproximadamente 14 mil yanomamis. Hoje, muitos homens e mulheres e yanomamis não têm condição de trabalhar, porque muitos estão com malária. Homem adulto não aguenta malária, e com malária não vai conseguir trabalhar. O povo Yanomami está lutando para sobreviver e não morrer”, afirmou.

Outra consequência da presença do garimpo no território Yanomami, citada por Hekurari ao Em Tempo, é a contaminação das águas pelo mercúrio, material utilizado na atividade garimpeira para a coleta de ouro. O líder indígena destacou que o garimpo cresceu durante o governo Bolsonaro.

“Ele incentivou muito a entrada de garimpeiros na região Yanomami e deu ajuda aos garimpeiros. Desde 1992 ele vem ameaçando com projeto o povo Yanomami”. O projeto que Hakari se refere foi apresentado em abril por Bolsonaro, o qual pedia o fim da demarcação das Terras Indígenas. Na época, Bolsonaro exercia o cargo de deputado federal.

Conforme o líder indígena Dário Kopenawa, a crise sanitária que o povo Yanomami vive atualmente já tinha sido denunciada diversas vezes pelos movimentos indígenas como a Hutukara Associação Yanomami, sendo o vice-presidente.

“Houve bastante mobilização, inclusive, nas redes sociais. Avisamos por muito tempo o que estava acontecendo com meu povo. Falamos e denunciamos bastante sobre a vulnerabilidade do meu povo, e fizemos varias reinvindicações sobre a situação da saúde e do aumento do garimpo ilegal na terra Yanomami”, afirmou ao Em Tempo.

Dário apontou que cerca de 20 mil garimpeiros ocupam a terra Yanomami atualmente. Também ressaltou que os Yanomami não estão morrendo de fome, mas estão “doentes de mercúrio, morrendo de malária, de verme e de pneumonia. É por essas doenças que os Yanomami estão morrendo, e foram os invasores que trouxeram essas doenças”.

“Nossos rios estão contaminados por mercúrio. Agora vocês estão vendo a realidade que vem acontecendo na terra Yanomami. Já fizemos a nossa parte, e denunciamos. Agora é a justiça brasileira que tem que atender aos nossos pedidos. Tem que punir esses invasores que fizeram crime ambiental”, afirmou.

Negligência

O epidemiologista da Fiocruz Amazônia, Jesem Orellana, afirmou ao Em Tempo que a situação de crise sanitária e humana no território Yanomami não iniciou e não é restrita ao governo Bolsonaro. No entanto, foi na gestão anterior que a situação de negligência atingiu o ápice.

“[A negligência acabou] levando o Brasil a declarar uma Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, devido a insensível e desumana gestão do Governo Federal, da Secretaria Especial de Saúde Indígena [SESAI] e dos seus Distritos Sanitários Especiais Indígenas [DSEI]”, pontuou.

Nesse sentido, o epidemiologista ressaltou que governo Bolsonaro possui responsabilidade sobre os problemas ambientais, sociais e sanitários que sofrem a população Yanomami em Roraima, por não dar assistência de saúde necessária e por permitir o aumento de conflitos violentos.

“[O governo Bolsonaro] não socorreu oportunamente os Yanomami, em termos de saúde pública, e tornou o território deles alvo de uma das mais violentas e destrutivas experiências de degradação ambiental em Terra Indígena da história recente do Brasil, sobretudo em relação ao garimpo ilegal de ouro e à extração ilegal de madeira, agravando de forma inédita uma situação que já era historicamente delicada e marcada por elevada morbimortalidade”, explicou.

Também apontou que as soluções para as múltiplas crises no território Yanomami não vão vir de “formas mágicas e simples”. Isso porque, conforme o epidemiologista, a situação é resultado de “décadas de abandono e destruição de boa parte da fauna e da flora do território ocupado pelos Yanomami”.

Nesse sentido, de acordo com Orellana, o primeiro passo para iniciar as ações de ajuda ao povo Yanomami já foi dado pelo Governo Federal, com a declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (SPIN), que cria condições “de respostas rápidas na aplicação de recursos humanos, suporte laboratorial, segurança alimentar, assistência à saúde, vigilância em saúde ambiental e epidemiológica, saneamento básico e promoção da saúde”.

“No entanto, essas medidas precisam funcionar, serem sustentáveis ao longo do tempo e culturalmente sensíveis. Do contrário, teremos mais um exemplo de populismo sanitário”, alertou.

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